domingo, 11 de novembro de 2007

Único poema escrito - Um devaneio / Uma tentativa

Dores de amor antigo

Eu queria poder falar.
Sobre filas de cinema,
Sorrisos à toa no parque num sábado de sol,
De telefonemas sem atendimentos.

Eu queria, por uma vez,
Reviver um resquício de passado.
Como nova vida,
Possibilitada por uma amnésia repentina.

O cheiro, o perfil num quarto escuro.
Uma mão com o meu cheiro.
Um corpo que te guarda e
Apropria.

Crueldade minha, não querer que me apropriassem?
Crueldade nossa, não nos permitir uma amnésia?
O dia mais rápido do que antes.
Lágrimas ao invés de suor.

Até onde vale o orgulho?
Até quando valem as palavras das nossas avós e das nossas mães?
Quando ouvir o outro e quando ouvir a si?
Quando despejar vontades e quando calar a boca?

Quase me desconheço
Pinceladas de risos na memória.
Sim, é possível tentar mais um pouco.
Mas, as chances serão sempre infinitas?

(maio/jun - 2007)

Máquina de escrever

Meu coração é uma máquina de escrever
As paixões passam
As canções ficam
Os poemas respiram nas prisões
Pra ler um verso, ouvir, escutar
Meu coração falar
Até se calar a pulsação
Meu coração é uma máquina de escrever
No papel da solidão
Meu coração é
Da era de Guttemberg
Meu coração se ergue
Meu coração é
Uma impressão
Meu coração
Já era
Quando ainda não era
A palavra emoção
Mas há palavras no meu coração
Letras e sons
Brinquedos e diversões
Que passem as paixões
Que fiquem as canções
Nos poemas, nos batimentos
Das teclas da máquina de escrever
Meu coração é uma máquina de escrever
Ilusões
Meu coração é uma máquina de escrever
É só você bater
Pra entrar na minha história

(Pedro Luís e a Parede - FONTE: http://letras.terra.com.br/pedro-luis-e-a-parede-musicas/396199/)

sábado, 13 de outubro de 2007

Pra saber de novo que estou sozinha. Momentos compartilhados são viagens solitárias em quartos que não são seus. Dorme um corpo ao lado que ama outro corpo que não o seu. Dorme e ronca ao seu lado uma pessoa que desconhece. Sorri pra você de manhã e te fala bom dia com intimidade (mas você pouco viu esta pessoa). Abre tuas pernas e sussurra qualquer coisa suave no seu ouvido. Isso já foi dito em outros ouvidos de outras mulheres tão solitárias quanto você. Abre seu abismo e marca com propriedade seu objeto de exploração. O mundo segue em cambalhota esquizofrênica, trocam os corpos, mas não mudam os amores. Tenho medo de fantasmas. Quero esquecer e confiar. Como todos. Quero confiar mesmo em um, em dois, em três homens. Arranjar tramóias e fugir em labirinto espiralado. Quero uma certeza estúpida e encho minha rotina com cigarros e copos americanos para embriagar a atmosfera dos corpos vagabundos dos bares sujos. Então, de que me vale agora as promessas de amor, se antes nem eram promessas, era tudo vazio e frio, mas com gozo? Qual vale mais? Um amor novo do qual desconfio, porque mal estruturado ou manhãs de zigue-zague por esquinas e camas nunca vistas? Às vezes, penso que não há diferença entre pessoas. Parece uma multidão num jogo vão de amor infantil. Quero cair num abismo de lírios. (ago-set/07)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Eu quero contar uma história assim como um roteiro de cinema, com muita cor e esquecimento das coisas, com um personagem alegórico sem nome, com um fio de suspense mental, com uma música de fundo, com as cores desérticas palpitando nas retinas. Se fosse mesmo tudo tão bonito assim... Eu quero sim, contar uma históiria com começo meio e fim, sem desordenação dos fatos, sem atropelamento de gestos. Ok. Vamos dar tempo ao tempo, Senhora. A Senhora dá mesmo todo o tempo do mundo. Dá os dias, os gozos, os buracos bem melecados, sorridente, feliz. E se ela ficasse perdida naqueles labirintos de espelhos dos parques de diversões, embriagada por qualquer coisa, com os olhos extasiados? Depois, Senhora se retira mesmo. Como por precaução. Não quer. Senhora precisa cuidar de si com responsabilidade sem tamanho. Tudo uma bobagem. Senhora pensa em outra coisa agora, já, neste instante mesmo. Pretende outra coisa, outros níveis de relacionamentos. Outro tipo de diálogo. Quer um labirinto novo.

domingo, 2 de setembro de 2007

Dodói - L. Tatit

Eu ando tão dodói
Mas tão dodói
Que quando ando dói
Quando não ando dói
Meu corpo todo dói
Tendão dói
Dedão dói
Pomo de Adão dói
Ouvido dói
Libido dói
Fígado dói
Até meu dom dói
Pois quando canto
Não importa o tom
Dói

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Espera. Mais um pouquinho. Logo tudo cairá por terra. O cheiro passa. Seria possível, então, flagrar, experimentar por mais um segundo qualquer manifestação no escuro? Aliviar, esquecer, deixar tudo desértico? Tenho vontade de me esquecer. Extravio a lógica, aquilo que é conhecido e fácil. Busco um espaço noutro lugar, em outra existência, em outro par de olhos que não são os já conhecidos. Estranho mais do que devo. Poderia esquecer, mas latejam também na memória as últimas sensações. Absurdamente difícil anular. Botar ponto final como é devido. Mas nunca tem fim. As reticências e/ou o ponto-e-vírgula são bem-vindos. Não é possível fechar portas, uma atrás da outra, como quem foge de si. É preciso se escancarar mesmo. Com muito prazer.

domingo, 8 de julho de 2007

Sem vísceras


Sem nenhuma tentativa de sedução alheia. Um silêncio auto-instituído. Uma necessidade de se retirar da cidade. Embora, ela ainda me rodeie. Mesmo aqui entre quatro paredes, os vizinhos me anunciam a cidade societária. Não é necessário ir até o centro para saber da energia de lá. Dia de virada cultural. Sinto quase o cheiro. Os sorrisos e as latas de cerveja. Muitas pessoas. Muitos olhos. Uma infinidade de pequenos pares de pontos brilhantes. Antes aqui e quieta. “Antes aqui e agora”, Gilberto Gil. Lixos. Noite paulistana sempre sem estrelas. Mais cinza ainda por causa da falta de outdoors. Os prédios estão imundos. As propagandas escondiam a decadência das construções. Uma propaganda para falsear a carcaça. Um produto, uma mercadoria para colorir as carcaças, grandes, impetuosas, mas cinzas. Carcaça de edifício. Carcaça humana. Também descolorida num misto de preto e branco. Sombras. Uma cidade morta? Arquitetura aos pedaços.Uma janela quebrada. Um andar de edifício, às vezes, só a parede frontal. Inóspitos. Rugosidades desmoronadas. Uma construção em desconstrução. Alicerces apontam para o céu. Tijolos que se desfazem. Cor de terra. Madeiras podres. Madeiras em construções em outra parte da cidade. Favelas. Casas esquecidas. Edifícios multiplicados pelas esquinas. Quanto mais alto, melhor. Cidade em decomposição. Outros traços. Edifícios erguidos com rapidez. Largo 13 de maio sem camelôs. Há quanto tempo eu não passava por lá? Agora, tudo bonito. Com canteiros de jardim. Depois, serão destruídos. Uma sobreposição de tijolos. Sobreposição de corpos mortos jogados uns sobre os outros. Cidade escancarada.

Então, a minha carcaça e a sua? A dele e a dela também? Quantas cores você tem na carcaça? Quais mercadorias carrega? Como monta seus produtos no seu corpo-cabide? Calças novas, brincos, anéis, colares, esmaltes, presilhas de cabelo, batom, boné, chinelo, blusa verde ou amarela? E os celulares? Qual é o modelo que você tem?
Carcaça-personagem?
Nome. Idade. Profissão. Como assim não faz nada da vida? CPF e RG por favor. Atestado de óbito, por gentileza. Ok. Obrigado. A música pára. Crianças. Crianças-carcaças? A carcaça da mãe na filha?
Projeções de sombras?

Segundo o dicionário Houaiss, acepção de número dois: cadáver de animal de açougue, sem o couro, os pés, a cabeça e as vísceras. Carcaça. Mais ainda ocorre a virada cultural e os edifícios traçam a geografia do centro. As escadarias, os bêbados, as pessoas alegres. Muitas roupas. Muitas marcas de cerveja para você escolher. Tanta felicidade de carcaça. Deixei minha carcaça no guarda-roupa. Não quero a presença do mundo. O esqueleto sente necessidade de troca. Os esqueletos também se decompõem em vida. Difícil saber quando. O corpo perde o equilíbrio. A consciência desconfia dos gestos alheios. É a precaução. Algumas pessoas acreditam que o fato de você se precaver é sinal de glória. Uma forma de não expor a carcaça. É algo feio. Sem cor, gelado, enrugado. Desidratado. Entretanto, a carcaça vem de brinde quando você é tirado do ventre. É uma condição do mundo contemporâneo. Impossível viver sem uma carcaça. Sem um conjunto de regras da aparência-cabide. Sem um personagem pronto, que ri, empina o nariz ou rebola com desenvoltura.

Depois de doze horas. A mulher fala ao telefone. Vai para a bendita virada cultural. Metropolitanos, uni-vos às águas de esgoto. Aos xixis pelas esquinas. Uni-vos, sobretudo, aos tapas, aos gritos, aos vinhos baratos dos supermercados coloridos, às armas dos policiais, aos olhos dos policias. Fiquem todos reunidos para a aberração da cidade, para as contruções centrais em decadência, para o ritual anual do centro velho. Música, cerveja quente num boteco sujo, mulheres e velhos safados, gays e lésbicas, bêbados e cambaleantes. Bem vindo à tentativa de driblar os olhos do Estado para que você consiga usar a sua droga. Cocaína, ecstasy, maconha. Todas elas também à disposição para uma maior união dos metropolitanos. Eles se unem. Com fervor.

Dois shows e duas brigas. Não há cerveja quente? Que estranho. Pois é, a gente não tinha muita cerveja guardada. Tá gelando. Já chega aí. Não tem problema, depois a gente bebe nalgum boteco. Beleza. Telão. Mulher mexendo as pernas. Alguns poucos esqueletos. Maxilares desenvolvem sorrisos. Consciências tentam justificativas para uma briga. Um velho safado passa a mão no ventre de uma mulher. Ela bate no velho. Justifica. Outra mulher apóia. Devia ter chutado mais. Talvez. É possível saber parar uma raiva? Bloquear os gestos difusos que se multiplicam pelas extremidades? Difícil. Melhor espancar mesmo. O céu sem estrelas. Já era previsto. Muitas estruturas férreas, muitos bloqueios, ordem e segurança. Progresso também? Muitos lixos. Catadores de latas por toda a parte, basta virar os olhos para a lata sumir. Mas tem as garrafas que também rolam pelo chão, como os bêbados do dia seguinte. Alguma coisa válida nisto tudo? Sim. Uma dança ao longo do prédio da Light, em frente ao Mappin. Sim, ali na Carlos Gomes. Em diagonal ao Teatro Municipal. Luzes e cetins brilhantes. Vermelho e verde. Uma música ao fundo. Beatriz, de Chico Buarque e Edu Lobo. Que brilhante idéia usar o prédio como chão. Será tudo escombro. Fim dos tempos?

Ainda virada cultural. Mais um show. Ótimo para os ânimos. Muita gente animada demais. Dói nos ouvidos e faz arder os olhos. Retinas multiplicadas. Todas as portas das magazines abaixadas. Tudo num tempo sem fim. Sem hora. Sem ano. Sem estatística. Poderiam ficar, ali, permanentemente, todas estas carcaças unidas em momento de diversão. Na cidade, as coisas também terminam. A mulher termina no boteco do Anhangabaú. Outrora tivera sentado num dos bancos que avistava. Em outra época, que também poderia ter sido permanente. Muitas cervejas na mesa. Seis carcaças-mulheres. De 19 a 40 anos. Lésbicas e heterossexuais.
Conhecidas de lugares por aí. Te conheço de algum lugar. Eu também te conheço, mas não me lembro de onde. Tem fulano e ciclano. Beltrano também faz teatro. Eu passei por uma escola. Depois, dívidas e filosofias. A cerveja quente do boteco acabou.

Mulheres para suas casas. Mulher-carcaça- cambaleante perde o ponto de equilíbrio. Metrô. Ônibus. Dor de cabeça. Claro, cerveja quente. Muitos cigarros. Cheiro de esgoto, gosto de cerveja quente na boca, fumaça entrando de todos os jeitos pelos furos faciais. Sai correndo pela rua escura. Bêbada-ofegante chega em casa. Para o banheiro. Até que enfim, posso guardar a carcaça no guarda-roupa.

(Ainda em processo)